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domingo, 15 de abril de 2018

ECA

Ciduca Barros

A nossa e as gerações anteriores foram criadas levando, dos nossos pais, muita porrada no lombo, ou como querem alguns: pisas, sovas, surras, pancadas e todo tipo de espancamento. 
Não sei se as agressões que sofremos nos fizeram pessoas melhores, mas, pelo menos em mim, aquelas cacetadas não deixaram nenhum tipo de sequela. 
Eu apanhei pra burro! 
Vocês se lembram da velha e indefectível palmatória que, por incrível que possa parecer, era usada até na escola primária
Em 13 de julho de 1990, o Governo Federal, com o fito de, entre outras aberrações, acabar com as agressões às crianças e aos adolescentes, resolveu criar, através da Lei nº 8.069, daquela data, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Portanto, subordinados por essa Lei, os nossos filhos agora têm a responsabilidade e o dever de criarem os nossos netos na base do “diálogo”. 
Eu não sou psicoeducador, assim não tenho a capacidade de afirmar se o correto era antes ou depois daquela Lei reguladora. 
Porém, só o futuro dirá se esta geração será devidamente educada sem umas boas palmadas disciplinadoras. 
Deixando a polêmica do tema de lado, gostaria de contar aqui dois fatos que envolvem crianças e “bordoadas”, ocorridos antes do advento do ECA.
Num determinado clube, entre cervejas para os adultos e refrigerantes e piscina para a criançada, corria preguiçosamente uma ensolarada manhã de domingo.  
Um dos filhos de um amigo já havia feito diversas peraltices e o pai sempre gritava:
– Pare com isso, Flavinho, senão você apanha!
O garoto pouco ligava para as advertências paternas e continuava aprontando travessuras:
– Fabinho! Eu já o avisei. Você vai levar uma surra, menino!
Depois de muito tempo com traquinices versus ameaças de porradas, o pai chamou o garoto até a mesa onde bebia com os amigos e, já antevendo que anos depois agredir crianças seria errado, desfechou esta frase disciplinadora:
– Fabinho! Considere-se surrado!
Um dos amigos da mesa, mostrando-se ainda mais politicamente correto do que o pai, também registrou uma frase compatível com a anterior:
– Você mata esse menino, homem!

Nesta segunda história a porrada funcionou literalmente. Naquela época podia, né? 
Este fato ocorreu há tanto tempo que o garoto, seu personagem central, hoje é um profissional renomado, casado e, logicamente, um pai que cumpre fielmente o ECA. 
O pai chegou em casa após o trabalho e encontrou a esposa com o menino no canto da parede enchendo-o de tapas. Aquela cena o chocou deveras e ele logo externou a sua insatisfação:
– Pare com isso, Laura!  Bater em criança é errado, mulher! 
E ensaiando um pequeno discurso pedagógico continuou:
– Nada justifica uma agressão. Vamos dialogar com ele que é bem melhor. Existem outras maneiras civilizadas de criar filhos, amor. O que ele fez de errado?
A mulher, que havia parado os tapas, ainda ofegante, respondeu:
– Este safado foi reprovado!
Daí, o pai mudou imediatamente o seu conceito. 
Esqueceu incontinenti os princípios, doutrinas e métodos de educação antes anunciados e, já tirando o cinturão, exclamou indignado:
– Vagabundo! Você foi reprovado? Gastamos o nosso dinheiro em vão, seu vadio!

Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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