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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Nas calçadas da vida



Em Caicó houve uma época em que as calçadas eram famosas pelos nomes de seus patronos, pela boa conversa e pela repercussão da opinião de seus participantes. Não convivi em todas, mas participei de muitas no centro da cidade... Na Rua Felipe Guerra, a calçada de Macedo, Paisinho Rangel, Simão Leleco (depois, Marinês). Na Av. Carlindo Dantas: Barraco de Branca, Milton do Dominó, Zé do Barraco e Seu Gaspar. Na Coronel Martiniano, os pontos comerciais de Dorgival Fernandes, Bosco, Santiago dos Confeitos e Ivonaldo dos Pneus, dentre outros. Na Otávio Lamartine, a calçada da Rádio Rural, a Farmácia de Rocha e o Bar de Ferreirinha. Na Avenida Seridó, os batentes de Zé Simplício, Nilson de Brito, Farmácia de Neto, Barraco de Valdemar, Barraco de Tarcísio, O Pescador e, antes, na Biblioteca Olegário Vale.
Na feira livre, no mercado, no açougue e em outros pontos há sempre um ponto de encontro para atualização da pauta, do debate, da resenha ou, simplesmente, da vida alheia. 
Algumas rodas se mantêm. Outras novas surgiram, inclusive, nas chamadas “praças de moto-taxi” e em bares como, por exemplo, Zeca Barrão. Em cada uma, debates acalorados sobre tudo e sobre todos. Temas dos mais complexos e dos mais diversos ramos da atividade humana. As calçadas famosas de Caicó se tornaram fóruns privilegiados de aprendizado e de convivência entre gerações diferentes. As pessoas conversavam e, mesmo divergindo, voltavam ao debate, sem armas, sem intolerância.
Evidentemente que a paixão eleitoral, não raro, fazia grupos convergir para uma mesma calçada, mas, mesmo com a predominância de uma ou outra cor partidária, as calçadas eram frequentadas democraticamente. Assim, por exemplo, era a calçada de Paisinho Rangel (Tomaz Rangel), ex-vereador de Caicó e “dinartista” convicto. A maioria era “dinartista”, a exemplo do anfitrião, mas alguns poucos convivas “aluizistas” também participavam e eram respeitados.
Outras famosas confrarias se estabeleceram, durante muitos anos, na vida caicoense. Aliás, de tão famosas que outros seridoenses viam a Caicó e cumpriam, antes ou depois de qualquer outro compromisso, expediente em algumas das calçadas. Também os caicoenses ausentes inseriam no rol de visitas a seus familiares uma, duas ou três das calçadas famosas como pontos indispensáveis à visita a terra natal.
Alguns dos pontos mais famosos resistem. Outros, infelizmente, pelo tempo ou por razões diversas, foram desaparecendo... 
Não estão, entre nós, muitos dos que lideravam ou participavam do bom debate nas calçadas da cidade. Em alguns dos recantos lembrados, para os que conheceram e frequentaram as confrarias, os tamboretes ainda estão postos, mas a saudade é o assunto que não se esgota na pauta do dia. Para os mais jovens, apenas calçadas que facilitam a passagem de pedestres. Para história de Caicó, todavia, são encontros e desencontros de gerações e opiniões que, ao longo dos anos, descobriram verdades, descortinaram horizontes, contraditaram versões, construíram mitos, assistiram nascimentos e mortes, enfim, fatos e pessoas que nas calçadas da cidade foram protagonistas da vida.

Fernando Antonio Bezerra é potiguar do Seridó e escreve às segundas-feiras.

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