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quarta-feira, 19 de julho de 2017

Diarreias mentais - XLIII


Histórias em quadrinhos 

Por volta das décadas de 1950/60, lá no nosso velho Seridó, entre as nossas diversões destacavam-se as famosas revistas de histórias em quadrinhos, publicadas, salvo engano, pelas editoras Rio Gráfica, Ebal, Globo e Disney, entre outras.  Através daquelas revistinhas (principalmente “O Guri” e “O Gibi”) viajávamos nas aventuras mirabolantes dos nossos invencíveis heróis, muitos deles adotados pelo cinema, todos lutando bravamente contra cientistas loucos, espiões cruéis, hábeis assassinos e índios malvados. 
Fazíamos, da calçada do Cine Pax, a “feira de trocas”. Na frente do cinema, antes de cada sessão, funcionava o troca-troca de revistas em quadrinhos, figurinhas e estampas Eucalol (com aquele perfume característico), assunto que já enfatizei em capítulo anterior sobre cinema.    
Encantávamo-nos com as criações de Lee Falk: Fantasma e Mandrake. Entramos muitas vezes na Caverna da Caveira, onde se abrigava o nosso herói Fantasma – “o espírito que anda”, com o seu lobo, Capeto, e o seu cavalo branco, Herói; não esquecendo que, quando ele esmurrava, o seu anel deixava a marca da caveira impressa no rosto dos bandidos. As mágicas de Mandrake impressionavam todos nós. Ele morava em Xanadu e seu ajudante era o brutamontes Lotar. 
Quem não voou com a Família Marvel? O Capitão Marvel, sua irmã Mary Marvel e o Capitão Marvel Junior. Todos nós sabíamos que o humilde jornaleiro Billy Batson, quando gritava a palavra mágica “Shazam”, adquiria grandes poderes. Lembram-se do que significava “Shazam”? As iniciais dos seis deuses do Olimpo: Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Aquiles e Mercúrio. E o Capitão Marvel, ao pronunciar essa palavra, acumulava as qualidades de todos eles. O interessante é que a Família Marvel lutava sempre contra um único vilão: o maléfico Doutor Silvana, careca, baixinho, feio e sempre vestido de branco. 
E a magia daqueles faroestes? Roy Rogers com o seu garboso cavalo Trigger. Haja tiros dados nos pobres dos índios seminus, perseguidos por Gene Autry, Rex Allen, Bill Elliott, Rock Lane, Hopalong Cassidy, Tom Mix, Buck Jones, Tex Ritter e outros menos votados. Lembram como denominávamos os ajudantes dos “artistas”? Eram “os doidelos”, dizíamos nós.  Naquele tempo, nós inventávamos muitas máscaras e capas para imitar o Zorro que, montado em seu cavalo branco (“Alô, Silver!”), só disparava balas de prata e tinha um fiel escudeiro índio chamado Tonto, que montava um cavalo denominado Escoteiro. Também improvisávamos muitos chicotes para imitar o habilidoso Don Chicote. 
Existiam também histórias em quadrinhos de índios heróis: como Apache Kid e Flecha Ligeira. Também tivemos bons caçadores, que eram batedores do Exército Americano:  Daniel Boone, Davy Crockett, Kid Carson e o famoso Buffalo Bill. Existiu também, por algum tempo, uma revistinha, estreita e em forma de tira, chamada O Pequeno Xerife.  
Certo tempo, apareceu um herói nacional também projetado em revistas em quadrinhos: Jerônimo, o Herói do Sertão. Um cavaleiro solitário que defendia a cidade hipotética de Cerro Bravo, que ficava não sei onde, contra os bandoleiros Perneta, Caveira e Corisco. O seu companheiro de lutas contra as injustiças sociais era o Moleque Saci.  
As expedições nas selvas africanas eram vividas por Tarzan, o Rei das Selvas (uma criação de Edgar Rice Burroughs), acompanhado de Jane, Boy e a macaca Chita, que viajavam pelas copas das altas árvores, pendurados em fortes cipós. Vibrávamos com Jim das Selvas e Lorna, a Rainha das Selvas. Quantas vezes caímos de árvores e de cordas tentando imitar esses heróis das selvas? 
E o Super-Homem (Superman) e a sua visão de Raios X? Ainda bebê, chegou ao Planeta Terra vindo do seu Planeta Krypton (que foi destruído) no foguete que caiu no jardim do casal Jonathan Kent, que adotou o nosso herói. Já adulto, quando não estava salvando o mundo, era o pacato jornalista Clark Kent.  
Em Gotham City morava o pacífico cidadão Bruce Wayne que, em defesa da lei e da ordem, transformava-se no imortal Batman, dirigindo o seu veloz Bat-Móvel e acompanhado pelo seu fiel escudeiro Robin, ambos assessorados pelo mordomo Alfred, na Bat-Caverna. Estes heróis também foram eternizados pelo cinema. 
Quem gostava de aventuras interplanetárias e fatos que, presumivelmente, estavam ocorrendo no futuro (suas histórias passavam-se em 2030), poderia ler as aventuras de Flash Gordon. Suas eternas batalhas eram travadas contra o terrível Doutor Ming e todos usavam velocíssimos foguetes. 
E aquele personagem que não sabíamos se era herói ou vilão? Um dos mais velhos heróis de revistas em quadrinhos, criado em 1939  por Bill Everett. Ele era um jovem príncipe de uma estranha raça de anfíbios, um mutante que vivia na terra, no mar e no ar: Namor, o Príncipe Submarino. Naturalmente originário de Atlântida, o príncipe Namor tinha como companheira, nas suas aventuras, sua prima, a princesa Namora, e ambos fizeram uma guerra de espionagem contra o homem-branco (ou o homem da superfície) que até hoje não sabemos se eles foram heróis ou vilões.  
Não poderia deixar de falar também a respeito de um dos mais populares e importantes heróis da nossa geração (como de outras, posteriormente): Homem Aranha (Spider Man), identidade secreta de Peter Benjamim Parker. Foi uma criação do bem-sucedido produtor de histórias em quadrinhos, Stan Lee. O Homem Aranha vem resistindo ao tempo e readquiriu fama e novos admiradores, principalmente depois dos rendosos filmes recentemente lançados pela indústria cinematográfica. 
Naquela época ainda não tínhamos sagacidade para notar, porém hoje, revendo as histórias desses heróis, verificamos que todos eles eram solteirões inveterados, apesar de terem namoradas fixas. Senão, vejamos: o Fantasma namorou eternamente Diane Parker; Mandrake nunca se casou com sua namorada Narda; Roy Rogers nunca pediu em casamento a sua eterna namorada Dale Evans; nunca assistimos ao casório de Tarzan com Jane (como poderia, na solidão da selva?); o Super-Homem namorou indefinidamente Lois Lane; Flash Gordon nunca teve tempo de casar-se com Dale Arden, sua constante namorada, e Aninha foi a perpétua noiva de Jerônimo.  
Finalizando, gostaria de fazer outra observação, é que nossos pais sempre se opuseram às nossas revistas em quadrinhos. Acreditavam eles que as nossas leituras infantis atrapalhavam nossos estudos. Não sabiam eles que, enquanto nós líamos aquelas revistinhas, estávamos começando a adquirir o salutar hábito da leitura. As incontáveis vezes que minha mãe destruiu os nossos guris, “não está nos gibis” (eita trocadilho infeliz!).

Ciduca Barros é escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

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